Salão de Jantar

Rosalie e Adrian já estavam por ali, e assim que a garota viu Teçá, seus olhos se iluminaram. Mas ela estava ocupada falando com um grupo de pessoas, e não pôde sair imediatamente. Adrian aproveitou o momento e se aproximou da moça, se apresentando.

- Senhorita Lengyel, você está "delusbrante". - o garoto elogiou, ou tentou, e estendeu a mão para pegar a dela e a beijar, como ditava a etiqueta.

A fofura daquele garoto era inegável.

Ele a encarou como a uma deidade, e gaguejou algo como:

- E-eu não sei o que dizer agora. Não me disseram o que dizer depois disso.

Por sorte, ou não, Rosalie chegou.

- Adrian, o que você está fazendo?

- Conversando com a Senhorita Lengyel.

- Você quer dizer "incomodando"? - ela disse, com um ar superior. O garoto fechou a cara, mas não conseguiu aparentar ser menos fofo fazendo isso.

- Não estou incomodando, só queria dizer que ela está "delusbrante", igual você me ensinou.

Até a astuta Rosalie ficou sem palavras diante do argumento, e suspirou.

- Certo. Bom menino. - ela apertou sua bochecha levemente, e a expressão dele se suavizou. - E é deslumbrante que se fala.

- Sério? Achei que era delusbrante, sabe? De luz?

Ela revirou os olhos e riu, mas em seguida pegou a mão de Teçá.

- Não tem nada a ver. Anda, vai brincar.

Ela trocou um olhar cúmplice com a cunhada e afinal a trouxe mais para perto de todos, contando um pouco sobre a própria família para Teçá antes de deixar que ela se aproximasse para o interrogatório que certamente se seguiria.

- Aquela é minha tia Ida, e o esposo dela, o veterano de guerra Gregor Mendel. Ele tem um olho de vidro que é preguiçoso, então evite olhar pra ele, ele não gosta. Aquele ali é o meu tio-avô Leonhard "Lenny" Weichselbraun. Ele é um chato, um dos diretores de um dos piores colégios internos para rapazes da Europa. Nem Stefan conseguiu escapar de uns dois anos estudando lá. Só Christian mesmo pra conseguir fazer eles desistirem de deixar ele por lá. Dizem que em setenta e oito anos do colégio, ele foi o único que foi expulso. - Ela riu baixo, cobrindo o sorriso com o leque.

O rapazinho pareceu mais aliviado, mas não conseguia deixar de obedecer a irmã mais velha, então se afastou com um "tchauzinho". Rosalie respondeu quando Teçá perguntou:

- Ele tem onze, mas parece que enche meu saco desde que eu nasci. Ele é muito sozinho, não tem outras crianças aqui. Eu costumava brincar com ele quando era mais nova, mas agora a gente é diferente demais.

Quando indagada sobre o irmão, ela deu uma risadinha.

- Claro que não, sua boba, ele é um amor! Mas ele consegue deixar os adultos nervosinhos porque simplesmente não conseguem obrigá-lo a fazer o que querem. - Rosalie sumarizou.

Ela puxou Teçá para mais perto de uma pequena mesa de antepastos posta em um canto.

- Sabe o que é? É que a minha mãe queria muito que ele fosse padre. Na verdade ela chegou a prometer para o padre que o filho dela seguiria a vida eclesiástica. Só que Christian não consegue ficar calado. Ele sempre reclamava dos sermões da igreja, e como estão errados sobre várias coisas, mas como eles têm o endorsamento da palavra de Deus, o Christian sempre sai como errado da situação.

Ela comeu um canapé, mas não pareceu conseguir comer muito mais que isso, dado o corselete apertado.

- Eu não sou a favor de blasfemar sobre as escrituras, mas daí acreditar que o homem veio do barro, já é demais. Enfim, para se desvencilhar do destino de ser padre, ele saiu de casa assim que conseguiu, e foi estudar em Vienna. Ele encontrou um emprego e não pede nada aos meus pais. Acho que não deve ser fácil, mas deve ser melhor que ficar aqui pra sempre.

Ela parecia genuinamente desanimada com uma possibilidade dessas.

De repente, alguém se aproximou por trás de Teçá.

- Minha querida Rosalie, por acaso está tentando roubar a minha noiva? Não as vejo mais separadas, senhoritas. Embora isso me agrade muito.

A voz grave de Stefan soou bem próxima de Teçá, e aquele movimento poderia ou não ter sido premeditado.

Rosalie sorriu, se desculpando:

- Não, nada disso. Embora eu tomaria mais cuidado com Adrian. Ele está encantado com a linda Teçá. Acho que todos em Himmelfall estamos.

- Eu certamente estou. - Stefan disse, prendendo os olhos aos da húngara, com um sorriso leve no rosto.

Rosalie se desculpou e se afastou, sorrindo para a futura cunhada. Stefan então se pôs na frente dela, segurando uma pequena taça de bebida em uma das mãos.

- Teçá, você está deslumbrante, novamente. - ele disse, sentindo uma aceleração breve em seu peito por chamá-la pelo primeiro nome.

- Está gostando de Himmelfall?

Stefan sorriu, olhando suas roupas e agradeceu. Ao vê-la se enrolar em seu discurso, apenas garantiu que estava tudo bem:

- Um elogio à minha família é um elogio a mim também, embora vivacidade não seja um adjetivo muito usado para defini-la. Tradicional, rígida, e um pouco problemática, como a maioria. Embora o problema... - ele olhou o relógio de bolso -... Esteja um pouco atrasado.

Ele se referia a Christian, mas não sabia que Rosalie havia informado a cunhada a respeito da reputação do irmão. Eles foram levados para a mesa, e a conversa ainda estava animada, pelo menos entre os mais velhos. Como Stefan era o mais próximo deles em relação a responsabilidades, sua atenção era na maior parte dedicada a comentar sobre os assuntos, e desse modo Teçá não estava recebendo muita atenção de seu futuro esposo.

Eventualmente, o assunto tomou outro rumo.

- Não vamos esperar por Christian? - um tio perguntou.

- O danado nunca espera por ninguém, por que deveríamos? - respondeu um outro, e os homens riram.

- Não fale esta palavra à mesa, Roger! - uma mulher ralhou.

- Que palavra? Danado? Pois daqui a pouco vamos comer na mesma mesa que a cria de Satã!

- Pai! - uma prima repreendeu. A Senhora Rothstein não tinha uma cara nada boa, mas o Sr. Rothstein parecia estar se divertindo. Stefan desviou os olhos e bebeu um pouco de conhaque.

- Eu sei o sobrinho que eu criei, e você vai me desculpar, Charlotte. O meu internato nunca viu coisa parecida. E o rapaz era só tranquilidade por fora. O problema nem era ele, era o que ele causava nas pessoas.

- Tio, não vamos perder tempo discutindo o passado... - Stefan tentou argumentar, claramente desconfortável que esse assunto estivesse sendo exposto dessa maneira na frente de Teçá e seus pais.

- Eu concordo. - Charlotte contribuiu. - Ele não demorará a chegar e a se juntar a nós. Certo Ernst?

- Eu não faço ideia, eu nem sei de onde ele está vindo... - Rothstein disse, com um sorriso divertido no rosto.

A mãe de Stefan soltou um arfar de irritação, e ia começar a discutir quando o mordomo entrou na sala de jantar, pigarreando para anunciar:

- O Senhor Christian Thomas Schoenberg Rothstein.

- Boa noite, família. Boa noite a todos. - a voz bonita foi acompanhada do homem de cabelos escuros, vestido com boas roupas, porém sem muita pompa. Ele tinha belíssimos olhos azuis, e um sorriso para acompanhar.

- Christian! - Rosalie e Adrian se levantaram para abraçá-lo, e ele os recebeu com carinho. A mãe também se levantou, e foi até ele. O pai apenas cumprimentou, mas queria que todos voltassem a seus lugares logo.

- Ah, que doce da parte de vocês esperarem por mim para o jantar. Afinal o que seria da indigestão de vocês sem mim, não é, tio Heinrich?

- Não começa... - alertou Stefan, bem baixo, ao se aproximar para um abraço muito forte.

O velho homem apenas soltou um grunhido e fez um gesto com a mão, com certo desprezo. Isso não tirou o sorriso do rosto de Christian. Stefan guiou Christian até seu lugar, bem ao lado de Teçá. Ele não lhe prestou muita atenção, até que o irmão anunciou:

- Irmão, que bom que você conseguiu vir. - Stefan olhava para ele genuinamente feliz em vê-lo. - Quero que conheça Teçá, minha noiva e futura esposa. E estes são seus pais, Sr. e Sra. Lengyel.

- Oh, que prazer conhecê-la. - ele tomou sua mão, sem muito se demorar ao tocá-la ou mesmo olhá-la. Apenas voltou o rosto para o irmão e comentou inocentemente:

- Confesso que nunca imaginaria um casal desses.

Não dava pra saber se era dela que ele se referia, ou ao próprio irmão. O fato é que, sutilmente, aquele comentário havia significado que, ao seu ver, aqueles dois não se encaixavam. Mas apenas as mentes mais afiadas perceberiam, e se percebessem, pouquíssimos comprariam essa briga.

Christian não achara Teçá dona de uma beleza estonteante a princípio. Ela era bela, é claro, como uma Senhorita beijada pela juventude costumava ser. Mas, pela própria experiência, a preferência do irmão era sempre por uma beleza mais escancarada. Enquanto ele educadamente cumprimentava os Húngaros e os convidados da família, o Sr. Rothstein logo começou a perguntar:

- Por que a demora, Christian? Não é como se o convite não tivesse sido enviado a duas semanas.

- Pensei que o casamento era só daqui dois dias. - ele respondeu, após ter se sentado, abrindo o guardanapo sobre o colo. - Queria me poupar dos comentários maldosos o máximo que podia. Obrigado.

Ele agradeceu um serviçal que lhe serviu vinho. Stefan pigarreou, sentando-se novamente e lançando um olhar ao irmão. A Sra. Rothstein ordenou que servissem o jantar.

- É uma brincadeira, é claro. Então... Senhor Lengyel. Estou curioso para saber, qual é o negócio da família?

Se Christian havia notado a pergunta de Teçá, se fez de desentendido, mas logo em seguida estava assentindo quando o pai da garota falava mais sobre seus negócios.

- Ah, sim... Então tecelagem e pecuária. - ele assentiu, sem conseguir evitar o tom condescendente. Teçá fez seu comentário, e ele a olhou pela segunda vez aquela noite, novamente não se demorando, nem se dignando a respondê-la. Quando a mãe dela complementou sua fala, os pratos acabavam de ser abertos na frente deles, e a Entreé estava servida. Christian sorriu de modo quase gentil, se coçando para não dar a resposta imediata que queria. Stefan parecia tenso, olhando pra ele, esperando que pisasse na bola.

- Certamente ajuda, não é? Abre portas. - ele disse, quase com os dentes cerrados. Então aquele sorriso se abriu novamente. Ele não resistia por muito tempo. - Mas não é nem perto do suficiente para fazer pessoas belas serem pessoas minimamente agradáveis. Hmm, essa Sopa de Gravy está incrível, como sempre. Nada como comida de mãe.

Ele parecia sempre cobrir um comentário quase rude com outro quase bondoso. Afinal, todos ali sabiam que provavelmente havia anos desde que a Sra. Rothstein havia pisado em uma cozinha ou cozinhado, se é que algum dia ela havia feito isso. No final, ambos os comentários eram venenosos. Restava a Stefan resgatar o que conseguisse da dignidade de sua família daquele jantar.

- Espere até ver o novilho que eu, papai e tio Klint caçamos para o prato principal.

- Ah, sim! - tio Klint começou, empolgado. - Era um bicho grande, devia ter pelo menos uns 300kg. E ainda estava precoce...

A conversa foi para o rumo da caça, e felizmente Christian parou de adicionar seus comentários ácidos, dedicando-se à comida. Como era de se esperar, finalmente o assunto foi para o casamento, e dele, para Teçá. O engraçado é que eles não faziam questão de incluí-la no assunto, ainda que o assunto fosse ela.

- Com tantos tecidos lindos saindo da fábrica dos Lengyel, agora Charlotte vai receber uma coleção inteira de vestidos novos a cada estação! Afinal, que nora ou genro não gosta de mimar a sogra para ganhar seu apreço?

Christian prendeu os lábios bem firmes, aproveitando para limpar a boca com o guardanapo. "Se houver um Deus", ele pediu em pensamento, "que me ajude a me manter em silêncio". Mas mesmo assim, sussurrado sob o pano, de modo que quase ninguém seria capaz de ouvir, ele comentou:

- Pelo seu tamanho, deve ser por isso que casou sua filha com um confeiteiro.

Teçá conseguiu disfarçar bem o riso pela tosse, mas Christian notou que ela o escutara. Talvez por isso mesmo procurou se manter concentrado na comida novamente. O novilho estava delicioso, e ele estava certo de que se olhasse pra ela, a crise de riso partiria dele dessa vez. 

O jantar ocorreu sem maiores problemas, o que era estranhamente confortável para Christian. Mas ele pressentia a nuvem negra se aproximando. E foi aquela mesma tia quem perguntou: 

- E você, Christian? O que você tanto faz em Vienna? 

Ele não estava com pressa de responder, então calmamente terminou de mastigar, colocou os talheres nos lugares, bebeu um pouco de vinho, limpou-se com o guardanapo e respondeu: 

- Por que você se importa? 

Um grunhido de frustração veio do Sr. Rothstein, e Stefan fechou os olhos, parecendo tão decepcionado que era de dar dó. Rosalie e Adrian começaram a rir, e o tio que era dono do internato reclamava "Eu falei, eu falei!" Uma vez causado o rebuliço, Christian tentou não rir. 

- Desculpe, não quis soar rude. 

"Ele diz que não quis soar rude, você ouviu isso, Ernst?" O tio repetiu. O pai apenas respondeu secamente: "Ouvi"

- Respondendo a sua pergunta, querida tia, eu trabalho como Consultor Financeiro. Tem sido bem rentável. E nas horas livres consigo me dedicar à Literatura, que é minha paixão. 

- O que diabos é um Consultor Financeiro? - o tio perguntou. 

- É alguém que manda no seu dinheiro pra você. - o pai respondeu. - Que sorte a sua por ter conseguido um amigo nouveau riche ingênuo assim. 

- Na verdade é alguém que aconselha você sobre como você deve investir seu dinheiro. - Stefan defendeu, e Christian agradeceu: 

- Obrigado. E eu não aconselho apenas amigos, eles se tornam amigos por conta da valiosidade dos conselhos. Os números falam por si mesmos. Ou eu te pedi alguma ajuda financeira nos últimos três anos? 

O pai apenas lançou um olhar furioso para ele. 

- É o mínimo que você pode fazer, já que dá prejuízo de outras tantas formas. 

Os pratos começaram a ser retirados, para a sobremesa começar, e Christian sustentou o olhar do pai até que sorriu da mesma forma maliciosa de sempre. 

- Não estou interessado em um concurso de quem pisca primeiro agora. Então... Teçá, certo? Animada para se juntar à família? Olha, nem sempre é animado assim, só quando eu decido vir. E isso é raro.

Ele notou a insatisfação que ela teve ao ter que repetir o próprio nome, mas ao contrário de como era para a maioria dos parentes, Christian não tinha intenção de provocá-la naquele momento. Stefan era importante demais para ele, e ele não queria magoá-lo. O restante da família não parou para ouvi-los, e a conversa continuava, dado que era uma mesa enorme com mais de vinte pessoas.

A sobremesa foi destampada na frente deles assim que ela terminou de falar. Uma torta deliciosa de maçã e canela, e o cheiro desta última subiu assim que, pela primeira vez, finalmente, Christian a olhará com cuidado. O rosto redondo, as bochechas rosadas, os olhos claros. Os cabelos loiros sobre uma pele que não era tão pálida e sem vida quanto a da maioria das garotas, mas sim possuía uma cor saudável quase bronzeada. Ele associou o quão exótica ela era, e aquele seu ar outonal com o cheiro da canela, que - ele não sabia - dali pra frente sempre lhe faria lembrar dela.

- Entendo. Espero realmente que seja feliz aqui.

Ele disse, em voz baixa, apenas para ela. Era um desejo sincero, porque ela não parecia uma pessoa ruim como sua família.

- Gosta de música? Conheço um compositor húngaro muito bom estabelecido em Vienna, embora ele não seja tão conhecido.

Ele aguardou que ela respondesse, e então acrescentou:

- Conheço algumas de suas músicas, se quiser depois do jantar posso tocá-las no piano. Rosalie sempre gosta de música depois do jantar. Certo, Rosie?

A garota assentiu para os dois, sorrindo feliz por ter guardado o pouco espaço dentro daquele corselet todinho para a sobremesa.

- Olha só, uma companheira artista da pintura! Eu sempre achei que aquele quadro ali ficaria bem melhor se fosse meu. - ele apontou para o quadro de um antecessor, carregando um cachorro de rosto amassado. - E é claro, sem aquele cachorro horroroso.

Rosalie teve que segurar uma crise de riso que lhe acometeu, e Christian notou o olhar do irmão sobre ele.

- Stefan, eu estava aqui conversando com a Senhorita Lengyel. Você sabia que ela tem um talento na área da pintura?

Mas ele notou que o irmão parecia um pouco desgostoso. A torta em seu prato permanecia intocada. Stefan não era muito fã de doces.

- Não. Não sabia. Nós ainda não tivemos tempo nem oportunidade de conversar direito.

- Ah... - Christian disse, notando que aquilo parecia mexer com o irmão. Então, sem ser indelicado, dedicou-se a terminar a sobremesa e não rendeu muito mais o assunto com Teçá.

Lembrando-se dos acontecimentos passados, ele preferiu nem mesmo olhar muito para a Senhorita.

Ao final do jantar todos se reuniram na sala de estar, onde havia o piano. Mesmo procurando deixar de lado a sugestão que fizera mais cedo, Rosalie não deixou que ele voltasse atrás, e o levou pela mão até o piano.